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Garra-Quebrada

Na novela anterior, Gardner conjurara um autêntico cenário de Guerra Fria. Porém, as inúmeras menções à Glasnot de Gorbachev (sem mencionar a participação do líder sovético no time “mocinhos”) mostram o quanto as décadas de 1980 – 1990 dificultavam o prosseguimento dessa linha temática. A política mundial se transformava – o que talvez explique o retorno ao estilo “Scorpius” na nona novela sobre 007 escrita pelo autor, em que o herói enfrenta outra figura folclórica: O supergangster Lee Fu-Chu (também conhecido como “Garra-Quebrada”), moldado em Drax, Goldfinger e outros megalomaníacos combatidos por Bond no passado.

A obra retoma o clima “sobrenatural” de “Viva e Deixe Morrer” e “Só Se Vive Duas Vezes” (na nova série, só exercitado em “Scorpius”): um acontecimento isolado põe 007 na rota de Garra-Quebrada antes do Serviço Secreto designar o herói para investigar suas ações. Como em alguns entrechos de Fleming, Bond e o Mau parecem ligados por um inusitado “elo kármico” o agente assiste a uma palestra de Garra-Quebrada em um museu da Columbia Britânica quando o facínora presenteia a instituição com um valioso Totem indígena.

Fascinado com a argumentação e postura de Garra-Quebrada, Bond reconhece, no homem, as características de alguns de seus oponentes – inclusive, um infortúnio físico que explica seu apelido: seu polegar esquerdo fica no lado contrário da mão. Nas palavras de Gardner, Lee Fu-Chu é “um homem gigantesco, com uma boca que poderia ter sido esculpida por um artista”. O Mau tem o vulto de um índio norte-americano de raça pura, embora seja parte Chinês (os mestiços, como o Dr. No e Goldfinger, eram propensos a vilania no imaginário de Fleming, um elemento que Gardner, curiosamente, preferiu não reavaliar, apesar da orientação “moderna” de seus livros); E como 007 descobre mais tarde, tem “virtudes” de suas duas linhas de descendências: a implacabilidade de um chefão do crime oriental e as habilidades místicas de um feitiçeiro. Os inimigos de Lee Fu-Chu não apenas o temem, como crêem que ele possa se transformar em animais e controlar as mentes das pessoas – uma crendice que o vilão utiliza a seu favor.

Bond tem uma oportunidade de comprovar a eficácia de organização de Garra-Quebrada quando, em São Francisco (base de operações do bandido), presencia seus asseclas matarem um “olheiro” da polícia, a golpes de bastão – uma cena hororrosa digna dos mais ultrajantes momentos da obra de Fleming. O Serviço Secreto conclui que a melhor forma de pegá-lo é infiltrar agentes na quadrilha – 007 e uma espiã norte-americana, Sue Chi-Ho. A operação “Cavalo De Tróia” prevê que a dupla tome o lugar de dois representantes da República Popular da China que se acham a caminho do covil do Mau, para negociar a compra de um sistema de rastreamento de submarinos e seu “antídoto”. (tecnologias que poderão ser usadas contra as potências ocidentais), em poder de Lee Fu-Chu. Bond e Sue Chi ficam hospedados no Quartel-general do gângster – uma espécie de “caixa chinesa” com seções subterrâneas e paisagens falsas nas janelas, projetadas por computador. Mas o disfarce de 007 logo cai por terra e o verdadeiro plano do fascínora é revelado: financiado pela China, Lee Fu-Chu prepara-se para por em prática uma sabotagem contra a Bolsa de Valores norte-americana, que desestabilizará a economia ocidental.

As forças de Segurança anglo-americanas impedem o esquema de Garra-Quebrada – mas o vilão e 007 encontram-se para um duelo final, que apela às tradições indígenas dos EUA. Em uma reserva nas Montanhas Chelan, James Bond e o vilão medem forças em circunstâncias surreais: o herói prova sua coragem submetendo-se ao ritual do “O-kee-pa” (mostrado em detalhes no filme Um Homem Chamado Cavalo, de 1973) e, finalmente, derrota Garra-Quebrada em um combate com arcos-e-flechas.

Apesar do clima de suspense que permeia a novela e do vilão memorável, “Garra-Quebrada” é uma obra parcialmente bem-sucedida: O desfecho constrangedor não faz justiça à elaborada construção da trama. O ritual de “O-kee-pa”, particularmente, é um elemento gratuíto e inteiramente deslocado em uma aventura de 007. Mas a mais acertos do que erros – e um conteúdo de entretenimento superior ao da novela seguinte, que retomou o estilo de “Missão no Gelo” e “Sem Acordos, Mr. Bond”.

“Sexo, Glamour & Balas” de Eduardo Torelli.

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