Os avanços tecnológicos sempre cumpriram um papel relevante nos filmes o agente 007. Artifícios fascinantes como relógios com raio laser e protótipos de suntuosos Aston Martin com bancos ejetáveis marcaram época desde os anos 60 na série cinematográfica. Com a escalada impressionante das tecnologias digitais, essa parte divertida da franquia tornou-se ainda mais instigante ultimamente – e, por vezes, inquietante.
A franquia 007 já assumiu diversos tons em sua trajetória, conforme as encarnações do agente em cada ator. Os filmes da era de Roger Moore tinham tom muito mais debochado do que aqueles com Sean Connery protagonista, por exemplo. Daniel Craig, por sua vez, manteve a elegância do personagem, mas redobrou o peso na ação e trouxe o invencível e sempre alinhado espião para mais perto da “gente como a gente”.
Além de Bond em si, a fase de filmes com Craig como protagonista também explorou em suas tramas, narrativas, perigos e oportunidades inegavelmente contemporâneos. A cibersegurança é figurinha carimbada nessa safra. Mas quão perto da realidade estão as ameaças e ferramentas dos filmes? E como agiria um agente secreto diante delas?
O que Bond faria?
Quando se fala em cibersegurança, há medidas protetivas claras para cidadãos médios encararem um cotidiano de ameaças. Um James Bond minimamente instruído logicamente não descuidaria em precauções tão fundamentais como usar uma VPN, manter o sistema operacional do celular atualizado ou fazer uso de um antivírus decente. Outras medidas de segurança para comunicação seriam usar códigos para falar com outras pessoas, usar aparelhos descartáveis e logo após o uso.
Porém, assim como 007 Contra SPECTRE, de 2015, colocou em evidência, as ambições de vigilância em massa são crescentes e muitas vezes são necessárias medidas protetivas mais efetivas. O filme revive a organização criminosa SPECTRE, chefiada por Blofeld, agora com ambições de criar um Estado de vigilância antidemocrático.
De fato, pensando em incidentes reais de cibersegurança, o cenário é desolador. Por um lado, há tecnologias capazes de invadir e monitorar furtivamente mesmo dispositivos protegidos, como o spyware Pegasus, desenvolvido por uma empresa de segurança israelense e usado para espionar alvos sensíveis de diversos países.
Por outro lado, mesmo soluções de empresas privadas reconhecidas e confiáveis parecem insuficientes diante do patrocínio direto de Estados nacionais a grupos de cibercriminosos para espionar e hackear. A história do contágio massivo nas Olimpíadas de Inverno da Coreia do Sul por um supervírus russo em 2018 foi um divisor de águas nessa seara.
Então, o que poderia ser eficaz? A navegação por camadas do TOR é uma ferramenta reconhecida para navegar com privacidade ou mesmo acessar a Darknet, conforme popularizado pelo ex-agente de inteligência norte-americano Edward Snowden. Aparelhos celulares alternativos, como o NitroPhone também poderiam ser opções úteis.
O NitroPhone 3 Pro é um modelo modificado do Pixel 7 Pro, da Google, que usa um sistema operacional mais seguro que o Android, chamado GrapheneOS. Também faculta a retirada de sensores e microfones, deixando o rastreamento mais complicado – mediante uma taxa salgada, mas provavelmente “pagável” por uma agência inteligência em missões pontuais.
Ironicamente, uma das melhores maneiras de manter-se não rastreável num mundo de crescentes possibilidades digitais seria manter as ações analógicas, como enviar comunicações por carta discretamente por emissários.
Trapalhadas digitais
Apesar de dar ênfase à discussão sobre ameaças digitais e até sobre vigilância coletiva e manipulação política, os filmes do 007 têm limitações nas nuances tecnológicas. De fato, os roteiros simplificam grandemente e até abrem mão de tratar questões de cibersegurança de modo verossímil no meio de toda a ação.
Assim, apesar da aparente invencibilidade do titã do MI6 inglês nas telonas, o agente com licença para matar encarnado em Daniel Craig deixa sua nação em risco uma porção de vezes por detalhes de segurança irrisórios. Não apenas ele, mas outros agentes chave da agência falham miseravelmente.
Alguns dos momentos que mais reforçam esse sentimento estão contidos em 007 – Operação Skyfall, de 2012. Nele, o vilão cibercriminoso poderoso Raoul Silva pinta e borda. Primeiro, rouba um disco rígido recheado de identidades dos agentes da OTAN que combatem terrorismo, incluindo gente do MI6. Por que não guardar dados sensíveis de agentes ingleses num disco rígido? Ainda por cima, em Istambul, bastante longe de qualquer capacidade de ação rápida dos ingleses?
Depois, Silva consegue invadir o computador pessoal da chefona de inteligência britânica, “M”, e engana “Q” ao conectar seu computador ao sistema do MI6 e, depois de fazer um diagnóstico estranho, cai como um pato numa isca evidente deixada para ser clicada na tela, comprometendo toda a segurança da agência.
Por fim, mas não menos relevante, o filme que inaugurou a era Craig, 007 – Cassino Royale, de 2006, traz absurdos talvez ainda mais gritantes. Nele, Bond consegue invadir não apenas a residência de sua superiora, M, como também acessa seu laptop e descobre rapidamente sua senha! Uma falha grave da chefe da inteligência britânica.
Posteriormente, Bond “esquece” essa vulnerabilidade que ele mesmo explorou, criando a simplória senha “Vesper”, nome de sua colega/amante, para proteger lucros auferidos no cassino… É claro que estamos falando de peças de ficção aqui, mas alguns erros grosseiros dos agentes do MI6 dão vontade de sugerir ao pessoal de recursos humanos da agência um treinamento intensivo em cibersegurança.